Pretx

Por Matheus Morais

Vim ao mundo
com partes das minhas linhas delineadas
sem me pedirem permissão,
em que nos riscos de minhas digitais e em pontos
da minha língua dita que
ao me colocarem na incubadora tomaram borrachas brancas
e tentaram apagar.
Conseguiram espalhar a tinta,
borraram,
pintaram de branco meus dentes e parte de meus olhos,
só.
Foi muito,
já era demais.
A tinta sou eu.
Depois de espalhada, o preto tomava a folha branca
e tornava-se a arte que sempre
fora
,mas,
cuspiam,
achando que era pano de chão.
Nem o chão, nem o pano;
Preto sou
e não é a toa que o universo também.

Fizeram-me esquecer,
descascaram meus lábios grossos,
amançaram meus cabelos arvoredos e não-retos,
esfregaram minha pele buscando a falta de cores,
acharam que meu pau era o trunfo,
me vestiram, me disseram, me gritaram,
me disseram não-palavras,
me brincaram, me fuderam, me arrancaram lágrimas
que esqueci ter chorado
e o foda é que conseguiram,
mas, também o foda,
é que me lembrei.

Disseram:
“Isso é trabalho de preto”
e era tudo,
menos tripalium.

Como conseguiria ser sequer um pedaço quando
diziam-me que meu inteiro
era não ser?
Esqueceram que não sou feito só de pele,
sou feito de África, samba e reinos.
Feito de cicatrizes, raiva, choro e canto.
Feito de blues, jazz, rap.
Sou revolta, sou neon, sou teu inferno.
Sou fogo, chama, lareira, fogueira.
Sou o carvão natural que segura o fogo.
Com isso,
a constatação que
sou vida e que essa vida pode queimar por inteira
a folha branca.
E todas as folhas.

Levaram-me das paredes brancas do hospital e, até agora,
estou rodeado de paredes brancas
dentro de meu quarto
enquanto escrevo.

O medo do claro me assustava,
ainda assusta,
e nesse enclausuramento
me guio pelo redor de meus ossos.
Pele-de-luz-preta
que me faz ver dentro da palidez.
Principalmente frente,
principalmente trás,
principalmente
de meus pés até o âmago
de mim.

Vejo sim as chibatadas marcadas nas costas,
as mordidas na língua,
os sangues nas mãos,
as faces nos olhares,
os calos nos pés.
A morte, vestida de branca, quase a vomitar por gula.

Tentaram misturar minha tinta com merda,
esqueceram que eu também cago
e posso, indubitavelmente,
esfregar na parede,
posso e faço
arte.

Sou preto,
me descobri punho,
punho até a garganta
e que se foda se a teus ouvidos cor de sangue-
azul
ensurdecem.
Pior que teus ouvidos é meu grito ensurdecido.

Agora não,
eu sou o a pele, o tato e os pelos
do grito.

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