Pois é, eu não odeio todas as pessoas brancas, inclusive, até amo algumas.

POR: MATHEUS MORAIS

E aí? Pelo que tô vendo aqui ainda tô preto.

Todos os meus textos vêm descrevendo os lugares de onde eu falo porquê, pra mim, faz mais sentido crítico, portanto, esse texto vem de um homem-cis negro. Agora que direcionei seus olhos, prossigamos.

Essa semana rolaram umas paradas bem complexas, mas, que parece ser simples quando expressado, que é: Uma mulher negra está namorando um homem branco.

É, pois é. Karol Conká, artista preta do Sul está namorando um cara branco. Houveram felicitações, óbvio — e que bom — todavia, isso causou um alvoroço gigante entre pretos e pretas, depois causou um alvoroço nos brancos e brancas e depois, basicamente, virou um caos, onde foi de pessoas brancas chamando o Movimento Negro de “Movimento Hitler” (????) e pessoas pretas dizendo que a Karol Conká, se tivesse um filho, daria ao mundo mais filho um mestiço. Não sendo difícil perceber que, apesar da falta de voz, não era n’algum tipo de tom felicitante. Mesmo.

E, claro, a merda ficou com nóis, pretos e pretas, pra lidar. Lidar com uma parada que é bem difícil entre o movimento — pra mim, a ferida mais aguda, tirando a ferida motriz (no caso o genocídio da escravatura) — que é o colorismo. Esse que atravessa diversas características rotuladas de pessoas pretas, como a solidão da mulher negra ou dos próprios relacionamentos interraciais e/ou afrocentrados.

Aqui, enfim, chega a discordância-mor que tenho com o movimento negro (uso “movimento negro” como movimento mesmo, força comunitária-antirracista-revolucionária e não pessoas negras, pois, nas minhas estadias, há muito essa forma de ideologia) que é: Apesar dos pesares, eu não acho que relacionamentos afrocentrados vão salvar e alcançar o mais pleno das relações. Da mesma forma que não acho que relacionamentos interraciais são o maior mal dos pretos e pretas.

Bom, se tem um povo que tem história pra ansiar a maior liberdade possível, esse povo é o nosso povo preto. O quão preso se é sentido, desde os grilhões, correntes. Pela prisão da fome, da miséria. Da invisibilização, enfim, pra quem é pretu tá ligado nessas fita que eu tô falando. liberdade e o amor, segundo bell hookssempre foram e, provavelmente, vão ser sempre os norteadores, o ponto final do movimento e que no meio desse caminho, hão os sentimentos de revolução, raiva, ódio, tristeza. Nós, pretos e pretas, ainda somos os condenados da terra, tanto pela cor da pele quanto pela colonização. Ou seja, nós, pretos e pretas latino-americanos tamo fudido. Até esse ponto final — amor e liberdade — há muitas palavras escritas por nós, mas há muitas palavras quem escreveram pra nós e apagar é um puta de um trabalho. É uma merda, dói, dá trabalho, apagando pra continuarmos nós a escrever até o ponto final. É tanta coisa concreta e abstrata que é muito desnorteador em muitas vezes. O bagulho é tão doido que diante até mesmo das nossas doses de liberdade e amor, é difícil não se sentir preso ou culpado. Aliás, ser preto em muitas vezes é saber que tá sentindo um afeto que não é seu, mas que fizeram engolir goela abaixo dizendo que é seu.

Por mais paradoxal que possa parecer, tem momentos em que até a liberdade nos prende.

Os movimentos de minorias têm todas as suas glórias, em sua base, principalmente, no sentido de conscientização de quem são aqueles que fazem parte de tal movimentação. Pretos e pretas; Gays, lésbicas, trans e bissexuais +; Indígenas. E, portanto, a partir dessa absorção sobre si que movimentos proporcionam são, absolutamente, cruciais para uma noção da realidade e de como lidar com essa realidade. Noção sobre quem é e porquê é. Noção das bases da estrutura. Isso não é sequer questionável. Todavia, há uma forma de modus operandi diante do organismo vivo do movimento, acaba por reduzir, existencialmente, o ser como indivíduo. Quase como um tipo de de formação forçada de simbiose e isso vai contra toda a necessidade e desejo de liberdade que buscamos.

Por ótimos três anos eu vivi um relacionamento incrível com uma mulher que me sentia contemplado, ouvido, amado. Dei tudo isso de volta. Ela acompanhou o Matheus de três anos atrás e o Matheus atual, ela acompanhou o “tornar-se negro” nesse âmbito de conscientização. Terminamos. Ainda conversamos e o afeto existe com sua pureza. Lembro de cuidar, de sentir, de viver intensamente, ela também em recíproca. Ela é branca. E aí? Como eu deveria me sentir? Eu sou menos preto agora? Sou a ovelha branca da Mãe-África? Qual foi? É pra eu me culpar? Eu devo me sentir errado por ter vivido coisas ótimas? Não me parece liberdade isso, não? Já pensei sobre isso. Já fui chamado de palmiteiro em uma roda de pretos e pretas. Eu nem sabia o que era palmiteiro. Fui aprender sobre, fazia completo sentido sim. Fui e li Frantz Fanonseus dois formidáveis capítulos em “Pele negra, máscara branca” sobre a relação do homem negro com a mulher branca e a relação do homem branco com a mulher branca. Fazia sentido pra caralho também. Entendi e compreendi que eu devia ficar ligado não só em relações amorosas como em quaisquer tipos de relações. Aliás, dois dos meus melhores amigos são brancos também e, apesar da demora grande de perceber o quanto meu meio — universitário — não me proporcionava relações pretas e ir buscar, eles continuam sendo meus melhores amigos.

O exemplo individual não vem à toa, pois, é sobre isso que estou falando:Individualidade.

Não me entenda errado, eu não tô passando pano pra branco, branco herda o sangue nas mãos e acho que a postura frente tem, de fato, que ser agressiva, depois desse meu tempo me ligando no que é ser preto no Brasil, qualquer relação que eu vá ter com pessoas brancas, seja mínima, eu sempre tenho um pé atrás. Sempre mesmo. Lembro de uma vez que tava num bar desses roqueiros aí e não tinha nenhum gatilho qualquer, mas, eu quando virei pra trás, vi um cara branco, careca e de barba atrás de mim bebendo uma cerveja, me peguei no pensamento de “Mano, esse cara com certeza não gosta de preto, se ele fizer qualquer merda eu já vou estourar” e realmente não tinha acontecido nada. A noite continuou, fiquei bêbado, fui embora e a vida seguiu. O gatilho era a pessoa branca e um ambiente majoritariamente branco onde eu ocupava sendo preto. Se sentir estranho, de novo.

Num geral, a paranoia é, absurdamente, justificada. A taxação, não.

“Mas Djonga não gosta de branco, “O bang não é apenas cor, Interpretem Parece que ainda estão no ano lírico”, Pela cor cê só não sente o que eu sinto, Mas pela boca e pelos atitudes, Branco é seu estado de espírito!”

Tem muito preto e preta que se ligou nas questões sobre ser preto e preta com Fanon e não sabe que Fanon era casado com uma mulher branca. Ou que ele usou parte da teoria de Hegel, aquele alemão arrombado que dizia que a África era um “continente sem História” e “terra de crianças”, pra escrever seus livros. E aí, o que que tu faz com isso?

Está mais do que provado, principalmente nos tais tempos líquidos, que o ser humano, independente de qual for o tipo, não sabe ter uma relação. Não se trata de um exagero. Ninguém sabe se relacionar. A idealística continua no topo e a realidade sempre se mostra discordante dos nossos ideais. Sartre não dizia que o inferno são os outros à toa. Parafraseio dizendo que os outros são o inferno e a glória, mas, ainda sim o inferno. A relação, hora ou outra, vai ser angustiante em algum ponto, independente de qual seja.

Realmente entendo os aspectos que nunca seriam alcançados numa relação interracial, da vivência, identificação, tudo mais. Boto fé que isso alivia muito outras angústias e a questão de nós nos unirmos como povo, todavia, a tal próxima futura diáspora, mesmo se acontecesse, é muito provável que a idealística preta fosse frustrada, pelo que vejo nos tais discursos. É necessário compreender que a globalização por si só já incita a troca de multiculturas — veja, não apropriação, apropriação nóis cobra — e troca de cultura nascem de relações e as relações, quer queira ou quer não, vão acontecer. Entre quase todas as culturas, etnias e afins, seja lá qual for esse tipo de relação, mas é invariável. Inclusive amorosas. Inclusive amorosas entre brancos/as e pretas/os. E Quando o afeto se mostra ali, ainda que possam ser por bases estruturais ou não, o afeto vai continuar ali, reclamando ou não.

Com brancos, há sim a legitimidade de uma agressividade verbal — dependendo até física- não necessariamente um didatismo. Com os nossos há de se ter sim uma explicação e conscientização, do porquê as coisas acontecem, mas ensinar também que o que nosso povo quer é liberdade.

É difícil de entender como colocar a culpa num filho(a) que sequer existe só por ele existir (????) vai fazer algum tipo de afeto satisfatório pra quem diz, pra quem recebe, sendo numa rede social, pra todas as outras que estão lendo… Isso de um preto pra uma preta que representa pra caralho a comunidade preta e principalmente preta do Sul, porquê, na moral, fui ter certeza que existem pretos e pretas no Sul no ano passado. Então, mano… Tá ligado? É muito incoerente toda essa situação, mesmo.

Quer falar de negritude e reclamar de embranquecimento atacando uma mulher preta que, aparentemente, se encontra feliz? Aí, eu não fecho. Não fecho nem a pau. Eu vi um tweet (se eu achar, boto o link aqui) de uma mulher preta que dizia sobre uma mulher preta: “Gente, se uma mulher preta está sendo amada e recebendo carinho, eu fico mais que feliz”.Refleti, sei das problemáticas, mas sei também do quão valoroso e precioso isso é.

Os tempos mudaram. Os pretos e pretas mudaram. A forma de se expressar mudou. A forma de se relacionar com o passado mudou. A interpretação de passado mudou. A interpretação de presente e futuro também. Tudo mudou, sem hipérbole, principalmente desde a virada do milênio, tudo foi mudando numa forma muito rápida.

Esse rolê com a Karol não é militância, é atirar pra todo lado. Tem horas que eu acho que se tornou um tipo de vício da militância constante a todo momento, da tal polícia preta. Calma, mano. Se sentir bem, principalmente atualmente, é revolucionário. Se uma das minhas tá sorrindo e assumindo um compromisso, tenho que ter fé no que ela tá fazendo, se eu não tiver, no máximo trocar uma ideia, sabe?

Definitivamente não é o que precisamos, não mesmo e nem sei se houve alguma hora.

Quero deixar escuro: AS RELAÇÕES PRETAS SÃO EXTREMAMENTE IMPORTANTES E NECESSÁRIA PRA NÓS COMO SERES NÃO-BRANCOS.

Em nenhum momento quero parecer discordar disso, porém, se queremos liberdade, de fato, que lidemos com a liberdade. Liberdade não é aquilo que você ou eu ou alguém ou algo ou um movimento define como liberdade. Liberdade sequer é necessariamente bom ou ruim, liberdade só é e ponto.

Que lidemos sem amaldiçoar gente que sequer existe. Isso tá longe de ser revolucionário. Isso é esquizofrênico.

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